Poeta, por que não cantas
O pão que te alimenta a carne,
O trapo que te cobre o corpo?
Queres cantar o etéreo, o eterno,
O espírito e o metafísico.
Quem te lançou do lado de fora,
Te fez Édipo-esfinge, mostro,
Farsa-fera, inumano, sem rosto,
Porém queres descansar um dia,
Sobre o ventre de uma única,
Dizer consigo: “enfim tolo, enfim homem;
Palavra, masmorra escura, não mais”.
Poeta, por que preferes a imagem
De um ser distante à boca que te acolhe,
Às mãos que te afagam?
Tens um corpo imperfeito que distância oculta,
Decais como a estrela-da-manhã sobre a terra:
Tuas feridas jamais se apagarão.
Refugia-te nas palavras, recobre-te com elas,
Acolhe a quem deseja morar em verbos.
Conhece, porém, o simulacro de teu erro,
A vida que te escapa por entre os dedos.
Poeta, por que vives ainda?
Para saciar o querer alheio
A custa de tua própria fome?
Ou para demover os dilemas
Dos homens ao preço de tua ruína?
Por que não te silencias?
Dia virá e os vermes.
Teu corpo imperfeito, invisível
Sob tantas palavras obsoletas
Sob tanta terra há de partir-se.
Dia virá e o silencio.
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