/> Πρωτεύς: janeiro 2010

30 de janeiro de 2010

(Ir)realidades IV

Não, não quero-te nua.
Quero-te vestida de teu corpo nu,
Vertida em cântaro e vinho -
E tudo derramado.
Nudez absoluta
É também quando a ausência
Do corpo na distância
Se faz palavra

29 de janeiro de 2010

Verdade e tempo

                                                                                                                  Para Violet
A coluna de sombra de um pinheiro
Deitada sobre o asfalto até o pátio,
Onde o mármore, da concretude arauto,
Cala — é a medida do quão tempo ausente
De ser — ser, rastro de presença, memória:
Tua voz, tua palavra; teu corpo, tua imagem.
Mas o vazio, o todo lugar pleno de nada...

Hoje repugnam-me as vozes, todas as vozes
Que ouço, porque nenhuma te pertence. Farto.
Porque ouvir sobre teu silêncio
A balbúrdia das existências vãs
É também estar pouco mais ausente.
Todas as faces das milhões de farsas,
Todas as cores de suas mortalhas,
Todo alto-relevo de suas máscaras,
Senão símiles de coisas visíveis,
Translúcidas, porém, fogem através do claro.

Há uma mulher frente à vitrine
Como à própria vitrine uma falsa mulher.
Quem diria conceder-lhe imperfeições quaisquer?
Quem não dobraria os joelhos a crer na razão
De um qualquer deus perfeito, arquiteto euclidiano
De tais formas esculpidas em carne e ossos?
Mas o acrílico e o plástico são como a carne
E o corpo que vê é o mesmo corpo que é visto:
Refletem-se um no outro, rasas, as imóveis
Existências até que o tempo decomponha a superfície.
É que a rude geometria dos olhos mortais,
Incapazes de apreender a natureza dos singulares,
Não saberia conceber senão inócuas simetrias.
Que uma árvore espelhe a retidão dos cubos, porém,
Parece-me desdizer a verdade que no céu é nuvem.

28 de janeiro de 2010

Através do deserto II

Ouço tua voz e ouço
O silêncio entre palavra e outra,
O inaudito da partida, definitivo
Talvez... sempre o temor do sonho,
O amanhecer das contradições mínimas.
Que se demore a noite não durmo, mudo;
Mudo e permaneço eu comigo e tudo muda
— O reflexo, ainda sou mas qual distinto,
Qual meio-morto e renascido.
É o inefável... se ele existe,
Se ele deve existir — é o inefável.
A tempestade que, sobre o desfiladeiro marinho,
Avança por sobre todo sobreolhar átono;
O infinito silêncio dos espaços celestes;
O mistério de Tudo, de Deus e do Nada
Jamais conseguiriam conceber plenamente
O instante completo de tua voz,
Porque são o sublime do que não somos.
Envolver-se, porém, no próprio ser pleno
E esvaziar-se completamente no que restou de noite
É o que não concebo em palavras
Senão como um signo distante,
Um sinal ou rastro do que fomos.

27 de janeiro de 2010

Àlameda

O que escrevo?
Não ao certo o que sinto.
Se digo “eu”, minto —
E agora minto.
Toda lembrança se ajunta
Num mesmo fosso,
Vala-comum e vão esforço
De estar ali. Não estou.
Se digo “fui”, ao certo,
Mesmo “serei” e “sou”,
Suponho somente e erro.
Fica-me o silêncio
Do que não tive,
Um simulacro apenas,
Como do que não terei:
A cicatriz, sombra
Da própria sombra.
Fica-me o silêncio,
E o silêncio, ser e fato
— e fome e fardo.
Resta do que não fui
A verdade do que não sou
E do que perdi, a ausência
Do que não tive. Mas
Nenhum sentido, nem senso,
Nem sentimento ou sonho.
Nada. Nem “eu”.

26 de janeiro de 2010

Eurídice

Dos grisnegros feixos
Miram noite-narcísos
Até o distante órfico.
Se lhe reboa a dobra
Do sino-alto, porém,
Desespero de sombra
Há de ser - e só.
A lira muda, dura,
Muda: é mármore.
Nem celeste Eurídice,
Nem de algum canteiro cresce.

25 de janeiro de 2010

Enfim louca

Olhos sobre o reflexo esquartejado,
Rês esquartejada, inextensa.
É a catástrofe de si: enfim louca.
É o machado sobre o silício,
São as pedras até o neon;
Lábios tintos de sombra,
Sobre a sobrancelha, o batom.
Estilhaço decomposto de corpo:
Amargo o vinho, amargo o vidro,
A carne fatiada de vitela.
São as cinzas dos sapatos azuis
De quando, à escola, menina, não lhe havia
Doces constelações de placebo.
É a verdade de si: enfim leve.
Pluma sobre a informidável nuvem
Dessemelhante às rudes feras.
É o temporal de si: enfim chuva.
Por aquedutos, relevos, ruídos
Descem gritos até o epiléptico riso.
Assonamente despida por dentro,
Muda, nua de todos os artifícios.
É o deserto de si: enfim pura.
Enfim perfeita...
Enfim mulher.

24 de janeiro de 2010

Terra e Tempo

Quando era criança, a menina comia doces com voracidade,
Não se importava de sujar a boca e sorrir sozinha,
Deixava os cabelos voarem ao vento
E os cortava com uma tesoura cega.
Quando era criança, a menina não tinha medo de apanhar flores;
Distraída, entre as pedras, ora caia e se machucava,
Mas voltava a cair e se machucar.
Não havia tanta gente como hoje ao seu redor,
Mas uma voz derramava canções ao seu ouvido
Sobre os dias que ainda não haviam chegado.


Quando era criança, a menina acreditava em pássaros
E tanto que frequentemente acreditava-se um.
A Terra era jovem ainda, ainda não tão rasa,
Não havia superfícies, mas cordilheiras e abismos.
O céu tocava a terra por longos braços de pedra.
Quando era criança, a menina passeava entre os picos e nuvens.
Estava sozinha e guardava silêncio para si mesma,
Não tinha um nome para si e ninguém a chamava:
Seu silêncio e sua voz eram uma só melodia.


Quando era criança, a menina amava a chuva e o mar.
Certa vez deitou-se na areia e ali permaneceu.
O mar alcançou seus pés mas recuou.
Todos os dias que foram, eram e viriam
Estavam ali em grãos de areia e rastro, sua imagem,
Não mais desapareceu da Terra e do tempo.

23 de janeiro de 2010

Ao (ir)realismo

Certa vez toque um corpo
E tolo o chamei “real”;
Certa vez ouvi uma palavra,
Ignaro a chamei “verdade”;
Certa vez dormi,
Recolhido ao Mesmo,
E, dormindo, atravessei
A terra do sono;
Certa vez despertei,
Dormindo ainda o corpo e a palavra.
Agora te chamo “real” e “verdade”,
Renomeio a diferença entre as coisas
E o sentido fugidio dos vocábulos;
Atravesso somente o possível,
Somente através do possível, erro:
O onírico desgarrado do sono.

22 de janeiro de 2010

(Ir)realidades III

Sou palavra, sei.
Seja Imperfeita;
Alexandrina, porém...
Grávida (de)
Silêncio: ventre.

Tu es mulher, eu sei.
“Eu” que se parte,
À parte. Longe:
À margem do riso,
Descorrente,
À beira do grito
À força estancado
Ainda, ainda...

“Isto” que é mulher,
Em contorno, imagem;
“Isto” que não sei,
Senão lança à carne;
Despida mesmo um dia,

Ainda, sei, e saberei,
Indesvendável

21 de janeiro de 2010

Sobre a areia

                                                                                                                                   Para Violet

Porsobre a areia se inclina o deus
Cálido. Teu corpo entre eles flui,
Arquefonte de não havidos gozos.
Areia que o tempo mede, dura;
Estrela que a carne recolhe,
Desejos que não vingaram ainda

A praia é um deserto corrupto:
O transeunte, um espectro de gentes;
O dia, um carnaval de invenções.
Ao longe, às barbas do Netuno,
Há terras estrangeiras. Talvez alguma
Terra-mãe desconhecida.

Porsobre o desfiladeiro,
Espaço vazio de matéria,
Encontro teu rosto alvo
De areia alva, de altanuvem,
Porém, amedronta-me o mar.

19 de janeiro de 2010

(Ir)realidades II

Alguma cinzaescura
Névoa é acordar —
Não quero. Nem o real.
Ele que razoavelmente
Tolhido, douradas proporções,
Refinada perfeição:
Dama-de-ferro.
Alguma vida incompleta
Tenho aqui, meu corpo.
Aí o que não conheço,
O que (des)entendo
Por (des)entender dos jogos
Dos jogos infantis do tempo:
À margem... a margem.

18 de janeiro de 2010

"Nós"

                                                                                    Para Violet
Silenciamos e partimos.
As horas dobradas
Como os sinos dobrados
Miram-nos quando as miramos.
Minhas certezas ficaram
Entre o corpo de uma quimera morta
E a imagem de uma esfinge desconhecida;
Neste canteiro, fincadas, que abandonei,
Crescendo raízes até o mais profundo.
Agora me vens e me dizes: “vens”;
Agora vens e me invades e me confundes
E nos confundimos um com o outro.
Terça parte de minha aceita: “é real”;
Terça parte recusa: “somente engano”;
Enfim, terça parte de mim entende:
“Que importa. Não perguntes, nada saibas.
Aceita porque tens dias que se esgotam,
Grisalhos sobre os olhos e desertos adentro.
Que importa a certeza quando tudo mais é incerto?
Queres a certeza da morte,
Mas a morte é certa por nada ser -
E nada ser é virtude que te assombra.
Tudo mais, efêmero que seja ou que não seja,
Permanece os belos possíveis que se realizarão
— Ou que não se realizem e, inocentes, morram."
“Nós” — filhos do acaso; “Nós”, efêmero entardecer.
Despertamos e duvidamos de nós mesmos;
Esfregamos os olhos e esquecemos os mundos
Que, ligeiros, convenceram-nos como quaisquer outros:
“Eram sonhos e nada mais” — E erramos
— E erramos por desertos e montanhas sem descanso.

16 de janeiro de 2010

Eco e Narciso

Perece a flor do afogado:
A margem seca, leito morto
De apatia; terra e astro.
Dos ramos, pétalas, da folha
Ao tronco, membro e olho:
Quase ciclope por ninguém cego
Ou o reverso do centauro abatido.
Do tempo do haver começo
Revém inexato o corpo,
Desespera de si o mais belo:
Reflexo, horror de simetria
Por metempsicose onírica.
Há o silêncio e o claro.
Vã perseguição do rastro,
Já emudecida a ninfa,
Dobra a esquina do poente:
Vã caçada, vãos ouvidos
Que se houveram muito tarde.
Onde deitou-se Narciso
— Desgosto amargo de desavido,
A terra apodrecida de lágrimas —
Vieram serpentes e insetos,
Vieram se aninhar em covas rasas.
Onde deitou-se Narciso, desistido,
Floresceu um pântano sombrio.

15 de janeiro de 2010

Atlântida

Entre as bananeiras o asfalto
Encontra o cascalho. Floresce a terra
Descoberta do pseudópode selvagem
Da besta-fera de concreto e vidro.
Sobre a calçada um preto,
Como frente à senzala, à frente
Do chiqueiro natal, quase humano.
Estende o asco, a palma rude
— dias sobre brasa, sóbrio;
Noites ébrias em paga —. Satisfeito:
O mundo, sujo e podre, é perfeito.
Recontenta-se no olhar o denegrido.
É madrugada: gozo de cinza,
Acinzentada satisfação:
Perfume de pedras.

14 de janeiro de 2010

(Ir)realidades

Realidade,
(Ir)realidade...
Tenho perdido a medida
Do (im)possível
Por um reflexo verbo.
Cara, a (des)medida
Dos sentidos:
Olho por olho do
Adivinho; Olimpo
Por Hades do tirano.

13 de janeiro de 2010

Quero-te

Descubra-te da burca-temor,
Longa-noite afora de “Nós”.
Nem fantasma nem farsa es?
Nem demônio nem anjo sou.
Quero-te e somente isso.
A rosa é o porquê da rosa:
Florescer do florescer.
Queira-me porque te quero.
Por que não? Ou não me queira.
Como te quero não sei. Desisto
Das vãs certezas. Meus jardins
Desertos querem-te hera,
Rosaespinho, orquídea estrangeira.
Desconheço e quero assim
Não saber de tudo quanto
Recusa-me teu verbo.
É que a rude densidade
Da pedra, do mármore e do sólido
Jamais persiste além do corpo:
É a mão que os toca,
Os olhos que os veem.
Mas o corpo entre os dentes
É, sob a terra, semente
Das tantas lúcidas comédias.
Quando tudo mais rarefeito
Desenho tua concretude possível,
Suprasenso de fisionomia, enigma.
Enigma, sim! — assim te quero.

Horizonte e tempestade

Pesa-me a distância, pesa-me o silêncio.
Pesa-me sobretudo a possibilidade
Que escapa, areia fina entre os dedos.
Mas o dia é leve, claro o céu.
O acaso que somos não tem medida:
Uma palavra encontra a outra e se cala
Como navio ao porto e o porto ao navio,
Como o que demora em verbos
E por isso deseja o silêncio eterno do instante.
Não corta cada instante a eternidade?
Prefiro crer. Por que o que somos a cada vez,
Co’a pureza incomensurável dos cometas,
Não se apaga no horizonte sem vestígio.
Se a incerteza das horas por vir afronta
A serenidade corriqueira das manhãs,
Deixemos entreaberta a porta arrombada,
Deixemos sentar á mesa o desejo bárbaro.
Amar é também amar o desconhecido,
O desconhecido que somos ao reflexo.
Nos tornamos estranhos um para o outro,
Como incessantemente nos estranhamos
Quando nos despimos de veste e verbo.
Tu serás a síntese das manhãs vindouras?
Nada sei. Porém já tremor-anseio
De minha carne: horizonte e tempestade.

12 de janeiro de 2010

Ao Poeta

Poeta, por que não cantas
O pão que te alimenta a carne,
O trapo que te cobre o corpo?
Queres cantar o etéreo, o eterno,
O espírito e o metafísico.
Quem te lançou do lado de fora,
Te fez Édipo-esfinge, mostro,
Farsa-fera, inumano, sem rosto,
Porém queres descansar um dia,
Sobre o ventre de uma única,
Dizer consigo: “enfim tolo, enfim homem;
Palavra, masmorra escura, não mais”.
Poeta, por que preferes a imagem
De um ser distante à boca que te acolhe,
Às mãos que te afagam?
Tens um corpo imperfeito que distância oculta,
Decais como a estrela-da-manhã sobre a terra:
Tuas feridas jamais se apagarão.
Refugia-te nas palavras, recobre-te com elas,
Acolhe a quem deseja morar em verbos.
Conhece, porém, o simulacro de teu erro,
A vida que te escapa por entre os dedos.
Poeta, por que vives ainda?
Para saciar o querer alheio
A custa de tua própria fome?
Ou para demover os dilemas
Dos homens ao preço de tua ruína?
Por que não te silencias?
Dia virá e os vermes.
Teu corpo imperfeito, invisível
Sob tantas palavras obsoletas
Sob tanta terra há de partir-se.
Dia virá e o silencio.

11 de janeiro de 2010

O nome

O nome da flor é “desassossego”;
O jardim, “desolação”.
A flor é um enigma do seu nome;
O nome, um espelho curvo.

O nome da manhã é “tempo”;
Tempo, apagar-se sempre...
“Sempre” é o nome do eterno.

O nome da chama é “passado”;
Carne, “brasa”.

8 de janeiro de 2010

Tempestade e Mar

                                                                                              Para Violet
Cante o mar, ode sobre ode,
O mar que reboa sobre si
Quando cálido à tarde úmida
Recolhe a areia espalhada ao fundo:
Tempo que não escoa, o eterno, mas
Desaparece aos olhos e me deixa
A fisionomia inteira desenhada,
Mulher inteira, mulher-enigma sempre.
Tu es o enigma de minhas noite insones,
Senão ruidosas; afasia de meus olhos conturbados.
Uma imagem é ainda uma imagem, sei.
Como sei que a Palavra é ainda palavra,
Desgarrada da tempestade de membros. Mas,
Não são imagens o que toco agora
Afora o fato inconteste de tocá-las?
Não é a imagem (re)completa do corpo
A semente de um desejo sem medida?
Antes ansiei por ver-te o rosto, ver-te inteira
E verter-te a fisionomia em verso.
Mas agora desejo: perfume de teu colo,
Calor de tua pele, sabor de teu sexo.
Agora desejo o cálice que somente
Na ausência converte em veneno o vinho.
Ah! Cante o mar que te conhece melhor,
Cante o prazer de envolver-te o corpo.
Eu, fincado na distância que consome
A tempestade em vazio noturno,
Emudeço.

5 de janeiro de 2010

(Des)enlaços VI

(Des)enlaços:
Entreolhar apagado,
Apagado o lugar,
Ou margem ficta
Do não havido.

Ainda
(Re)findo o claroescuro,
Entremeio ou fonte
De (ir)realidades.
Pseudrama,
Enfim.
Desenlaço:
E fim.

4 de janeiro de 2010

Silemus

Sobre o silente
Numesvaziado Céu
Habita uma estrela morta.
Houve o tempo e, para ela,
Também o grito convulso:
Morestrela de chama.
À fonte (re)colhida
Terça parte dos mundos
Regados: cada instante,
Cada rio, cada deserto.

Sobre o silente
A estrela morre através das eras.
Outras chamas há, porém,
Para outros olhos
Ao mesmo se apagarem.

2 de janeiro de 2010

À morada

Quando um órfico trespassa a soleira,
A lira vã recostada à esperança finda,
Silenciados já os olhos de despedida,
Há um ermo entre as colunas do sombrio.
Mas um centauro atravessou a soleilra.
Esmagando o fardo do inerte acima,
Chamou pelo nome da noite pressentida
E sobre o rio, havia-lhe olhos de menino.
Quando o menino atravessou a soleira
Tinha olhos de inquietude apagados
E a boca travestida de aurora.
Mas, grisalhos sobre a têmpora, o tempo
Não lhe fora igual igualmente pago
Com a virtude dos homens.
Quando era menino...
O menino atravessou a porta ensolarada,
Coberto de noite, porém lunático,
Tempestades adentro cultivara
Quão ermo o céu acolhe os infortúnios.
O menino atravessou empoeirado
A soleira desgarrada da infância,
Tocou as mãos de uma mulher e seu ventre,
E chamou por seu corpo marcado.