/> Πρωτεύς: dezembro 2009

29 de dezembro de 2009

O avesso

"Um creux toujours futur" (Valéry)
Aquém do riacho onde as sombras
Purificam-se do que foi existência
Resta a palavra e, através da palavra,
O verso... avesso de sentido:
Desejo do que não houve ainda na infância,
Reunidas as mãos sobre a cama,
Olhos a penetrar nos olhos,
Pernas encruzilhadas...
Foi quando em teu ouvido
Derramei demônios;
Foi quando desmanchou-se a torre,
Farsa metálica-translúcida da verdade,
Na confusão da palavra úmida.
É o silencio do sineiro, porém,
O que não houve ainda,
O que não se ouve dos dentes,
O que não verte do passado, mas
De um cântaro sempre-depois.

27 de dezembro de 2009

Ocaso


Quando fogem os inertes,
Apagam-se as naturezas mortas,
O vivente já se foi ao longe,
O galho epiléptico, o pássaro negro:
Já não há o que deixar, ausente.

26 de dezembro de 2009

Ainda esfinge, ainda enigma, mas...

Braços, seios, dorso...
O enigma encarna
E a carne, deleitosa aos olhos,
Adensa o mistério do corpo.
Há distância...
Ao dorso escapa a mão
Quando a proximidade do dígito
Nos reune. Ainda longe, porém,
A fisionomia da esfinge (re)vela
A crescente comunhão do espírito.
Ainda criança, a alva flor brota
Do canteiro, recurvo-labirinto.

24 de dezembro de 2009

"Tu dizias...

Ao mortal que perece: pereça! Não dirás.
Como a mesma palavra é a mesma
E mesmas são as coisas ditas depois?
Tu não dirás à pedra: és pedra!
Não dirá ela consigo: isto sou!

Violet

Sangue, suor e lágrimas:
O vinho das sensações se derrama por inteiro.
É a tempestade que se avizinha,
Desejo cego de carne,
De fragmentos de carne por fragmentos de palavras.
Um nome ainda é um nome - e só;
Um rosto ainda é um rosto - e só.
Pode o desejo contornar essas farsas?
Quando, devagar, se desvela
A violeta-flor do enigma,
É a fisionomia lásciva dos lábios
Que as palavras reclamam.

23 de dezembro de 2009

Esfinge

Quando teus pés sob o vinho derramam,
Quando desatam as feras-sílabas de Circe,
Quando, recurvas, as colunas desaparecem
Em teu corpo (des)aparecido.
Violeta, Esfinge-enigma,
Esfinge-enigma de Tebas,
Mas Tebas mora no indizível.
Esfinge,
Enigma (des)manchado
Em vinho, em verso demora
Áfona. “Eu”, porém, farsa
Devore. Que sedento de lábios,
Embora tenha noites vista-aninhadas,
Farpas sobre peito adentro,
Não me escaparei dos dentes.

22 de dezembro de 2009

Ao fundo


Ao fundo,
Enegrecido pântano,
Caranguejam causas cegas
Sobre amanhãs (de)compostas:
O semeador faminto, entanto,
Caminha entre farpas podres,
Metálicas — galhos epilépticos.
Escreve porque ainda não é a morte.
Dia virá coberto
E também “eu”
De silêncio.

20 de dezembro de 2009

Labor

Com outros olhos talvez fosse verdes os canteiros,
E os pinhos agigantados muro ao longo;
Acastanhados, os troncos que se dobram ao sol.
Fossem de cor, porém, freqüência de onda
Ou súbita admiração poética,
Ficavam ali indiscernidos
O pavilhão de seus muros, os muros do curral,
Limites da condição anômala de vitela
À espera do sangradouro:
Do machado, da faca, dos dentes... do estômago.

17 de dezembro de 2009

(des)enlaços V

(Re)findo
O jogo pueril do avesso
Ou o (Re)verso de (a)patia:
Haja pedra e gota d’água.
Aja! Haja (re)conto.
Onde o vocábulo e o invocabulável:
Haja des-encontro.

16 de dezembro de 2009

Desamanhecer

Já a noite consome a claridade da manhã,
O dia que mal desatou do sono:
É o avesso da torrente,
Entristecer do lago ao fundo.
Já a noite consome o claro
Não porém ao todo e de súbito,
Mas remanchando de sombra o móvel,
Reespalhando monotonia e inércia,
Apagando-me a cor dos olhos.

13 de dezembro de 2009

Peter Handke - Lied Vom Kindsein

                       
Als das Kind Kind war,
ging es mit hängenden Armen,
wollte der Bach sei ein Fluß,
der Fluß sei ein Strom,
und diese Pfütze das Meer.
Als das Kind Kind war,
wußte es nicht, daß es Kind war,
alles war ihm beseelt,
und alle Seelen waren eins.
Als das Kind Kind war,
hatte es von nichts eine Meinung,
hatte keine Gewohnheit,
saß oft im Schneidersitz,
lief aus dem Stand,
hatte einen Wirbel im Haar
und machte kein Gesicht beim fotografieren.
Als das Kind Kind war,
war es die Zeit der folgenden Fragen:
Warum bin ich ich und warum nicht du?
Warum bin ich hier und warum nicht dort?
Wann begann die Zeit und wo endet der Raum?
Ist das Leben unter der Sonne nicht bloß ein Traum?
Ist was ich sehe und höre und rieche
nicht bloß der Schein einer Welt vor der Welt?
Gibt es tatsächlich das Böse und Leute,
die wirklich die Bösen sind?
Wie kann es sein, daß ich, der ich bin,
bevor ich wurde, nicht war,
und daß einmal ich, der ich bin,
nicht mehr der ich bin, sein werde?
Als das Kind Kind war,
würgte es am Spinat, an den Erbsen, am Milchreis,
und am gedünsteten Blumenkohl.
und ißt jetzt das alles und nicht nur zur Not.
Als das Kind Kind war,
erwachte es einmal in einem fremden Bett
und jetzt immer wieder,
erschienen ihm viele Menschen schön
und jetzt nur noch im Glücksfall,
stellte es sich klar ein Paradies vor
und kann es jetzt höchstens ahnen,
konnte es sich Nichts nicht denken
und schaudert heute davor.
Als das Kind Kind war,
spielte es mit Begeisterung
und jetzt, so ganz bei der Sache wie damals, nur noch,
wenn diese Sache seine Arbeit ist.
Als das Kind Kind war,
genügten ihm als Nahrung Apfel, Brot,
und so ist es immer noch.
Als das Kind Kind war,
fielen ihm die Beeren wie nur Beeren in die Hand
und jetzt immer noch,
machten ihm die frischen Walnüsse eine rauhe Zunge
und jetzt immer noch,
hatte es auf jedem Berg
die Sehnsucht nach dem immer höheren Berg,
und in jeder Stadt
die Sehnsucht nach der noch größeren Stadt,
und das ist immer noch so,
griff im Wipfel eines Baums nach dem Kirschen in einemHochgefühl
wie auch heute noch,
eine Scheu vor jedem Fremden
und hat sie immer noch,
wartete es auf den ersten Schnee,
und wartet so immer noch.
Als das Kind Kind war,
warf es einen Stock als Lanze gegen den Baum,
und sie zittert da heute noch.

12 de dezembro de 2009

Silêncio e Voz

τότε γὰρ αὺτής πρω̃τον τη̃ς κυκλήσεως η̃̉ρχεν έπιμου̉μενος
ό̉λης ό θεὸς ὼς νύν κατὰ τόπους ταύτὸν τούτο ύπό θεω̃ν
α̉ρχόντων πάντη τά του̃ κόσμου μέρη διειλημμένα (Platão)

Atravessar desertos,
Areia entre os dedos, olhos enxutos.
A montanha feito colina, assim feita:
Sinal dos tempos, medida dos homens.

Há uma cabana deitada em séculos
Muito antes do viger dos olhos.
Quando lhe atravessa um raio de sol,
Víbora que pela fenda verte o claro,
É o aborrecimento da monotonia do pardo.

Há uma cabana abandonada, um lago triste.
Vive aí um bêbado vulgar em ruínas,
Cujas barbas encobrem um rosto marcado
E carcomas de versos lábios adentro.
Ele corre à noite nu, tropeçando em símiles,
Por sobre as lembranças que, já purgadas,
Escaparam dos olhos e da garganta muda.

Houve um tempo de quietude no mundo, Ariana;
O Céu dizia: “chega!”, a Terra: “basta!”.
Foi quando o orvalho se afastou do ramo,
E o ramo do leito arenoso, à despedida.
Foi quando deitou o bêbado sobre o pasto.
Houve, então, canções que não serão ouvidas.

10 de dezembro de 2009

Ad Profundis

Vasta o campo até onde margem os celestes.
Mas o navio, a terra e o mar são juntos da encosta.
Semitardam recurvos alí os troncos sob os mortos,
Sobre a corrente que alegra os pântanos.
Precípitos, os corpos negros se entornam ao sobro
E dobram... ao dobro, ali onde, do profundo,
Exala a sorte dos viventes.
Ainda há campos, nalguma parte —
E canteiros, talvez, e cântaros desfigurados
Mas nenhuma voz, nenhuma palavra.

9 de dezembro de 2009

8 de dezembro de 2009

Alguma poesia

Quando o céu anoitece claro,
(Re)vela as terras altas,
Eles, muitos deuses, florescem.
Pureza, porém,
Ter mãos limpas
E olhos claros,
É o (re)verso do esforço,
Do suor e da Terra. Mas,
Algum poeta cantarola
Alguma poesia rasteira.

7 de dezembro de 2009

Prelúdio de Luz e Sombras

Não há muitos destinos. Primeiro vieram os poetas dizer dos destinos humanos quais foram: Aquiles, Odisseu, Édipo — somente os que interessam aqui, aqueles em que é prevalente o jogo de luz e sombra no qual se desenha a fisionomia da face humana. Aquiles é o destino humano enquanto superação do homem, transfiguração precária da vitória dos imortais sobre o Tempo. Aquiles é um prolongamento do mundo dos deuses: filho de Tétis por um acordo entre Primeiro Criminoso e o senhor dos deuses, que a este livrou do infeliz casamento, sua ruína. O mundo dos homens começa aí, onde o mundo dos deuses, agora livre do fado parricida, termina. Quando Aquiles, recusando o aviso materno, parte para vingar em Heitor o sangue do amante, Zeus pesa a sorte dos heróis; quando, já sabendo, parte para morrer sob as flechas de Páris, mortais e imortais se encontram de pleno acordo.

5 de dezembro de 2009

(Des)enlaços IV

Como não fosse criança ainda
(des)desenhava o (re)trato
Do olhar conexo,
Marca-tempo es-face-lado,
Reflexo,
(Des)pedida.

4 de dezembro de 2009

Poética V

Είκώ δ̉έπενόει κιντόν τινα αίώνος ποιήνος
καί διακοσμών άμα ούρανος ποεϊ μενοντος
αίωνος έν ένί κατ΄ άριθμὸς ι̉οϋσαν αίώνιον
εικονα τούτον δή χρόνον ώνομάκαμεν. Platão

Por que as palavras não duram? Mesmos olhos e mesmas palavras se encontram somente uma vez, somente há um instante de puro gozo estético. Tudo que aqueles olhos puderem ver, verão nesse exato momento, nada lhes poderá ser acrescentado. Se a releitura se fizer imperiosa por razão de conveniência ou, pior, busca prefrustrada do prazer originário, a poesia mesma corre o risco de ser recoberta por opiniões e conceitos, no caso, igualmente alienadores do fenômeno estético. As palavras não duram em seu vigor próprio, porque o que vige desde o fundo de si mesmo não pode aparecer senão sob a mascara da natureza. Haverá, então, muita naturalidade no concatenar dos verbos e substâncias para que os olhos voltem a ad-mirá-los.

Parece que a ambivalência dessa physis despida do velho arcabouço das formas não se mostra tão sedutora, pois é justamente contra a natureza dos cometas que empenhamos nossas maiores formas. “Möch’t ich ein Komet seyn? Ich glaube. Denn sie haben/ Die Schnelligkeit der Vögel; sie bläuhen na Feuer/ Und sind wie Kinder an Reinheit.” — Esta mesma voz, porém, preferiu emudecer, descendo a abóboda como um cometa tão brilhante quanto prontamente arremessado às trevas. Mas este é o destino do cometa, porque o cometa tem a fisionomia do Dionísio, deus da alegria e das trevas. E de tantos quantos posso me lembrar, de tantos quantos foram os que assumiram essa natureza, mesmas foram também as trevas: loucura, silêncio e morte. Ficaríamos sob as barbas aprazíveis de Parmênedes, se pudéssemos. Ficaríamos sob o Sol, a venerá-lo, na clareira do mármore. Mas houve Heráclito...

3 de dezembro de 2009

(Des)enlaços II

Ligeiro o
Leão.
Não fosse passo
Canoro, mesmo
Ligeiro o
Braço... (des)afago,
Éramos já...
Entredentes.

2 de dezembro de 2009

Jocasta

A pureza não tem palavra,
Não... áfona pantomima.
Ditas, as palavras,
Mancham-se na boca,
O gesto enrijece.
Ter olhos como o céu esclarecido
É trazer consigo também o viso da terra,
Os frutos que não se perderam na tempestade.
Mas sob teus olhos
Entreabrem lábios,
Desenha-se o sorriso:
Parece-me contrair o peito.
Creio ter olhos, vê-lo desenhar
O contorno de uma moradia;
Creio ter mãos
E braços e um corpo encarnado:
Creio como nunca mais voltei,
Mesmo sob a terra em guarda.
Porque ter olhos...
Ter mãos e braços,
Encarnar um corpo e apodrecer
São virtudes humanas.