/> Πρωτεύς: janeiro 2012

26 de janeiro de 2012

Melancolia - Lars von Trier

Embora tenha sido eleito o melhor filme de 2011 pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos E.UA., Melancolia de Lars von Trier ficou fora do Oscar. Não que seja grande coisa: o prêmio da Academia já perdeu muito de sua credibilidade nos últimos tempos, devido à parcialidade e politização dos seus eleitores - o que, aliás, deve ser dito também do Prêmio Nobel de Literatura. O curioso talvez seja o motivo para o ostracismo que von Trier deve esperimentar daqui por diante: suas declarações de admiração a Adolf Hitler. Há quem não o perdoe por mencionar "aquele cujo nome não deve ser dito", a personificação do mal absoluto, etc., mesmo em um diretor cuja temática cinematográfica recorrente é, justamente, o mal.

Melancolia não é o melhor filme de von Trier, na minha opinião. Certamente ficou muito atrás de sua última película, Anticristo, embora o talento inquestionável do diretor garanta cenas e diálogos preciosos. Entretanto, diante da qualidade dos que comparecerão ao Oscar, a ausência de Melancolia e, talvez mais ainda, de Kirsten Dunst, é, no mínimo, questionável.

25 de janeiro de 2012

Nick Cave: The Loom Of The Land



It was the dirty end of winter
Along the loom of the land
When I walked with sweet sally
Hand upon hand

And the wind it bit bitter
For a boy of no means
With no shoes on his feet
And a knife in his jeans

Along the loom of the land
The mission bells peeled
From the tower at saint mary's
Down to reprobate fields

And I saw that the world
Was all blessed and bright
And sally breathed softly
In the majestic night

O baby please don't cry
And try to keep
Your little hand upon my shoulder
Now go to sleep

The elms and the poplars
Were turning their backs
Past the rumbling station
We followed the tracks

We found an untrodden path
And followed it down
The moon in the sky
Like a dislodged crown

My hands they burned
In the folds of her coat
Breathing milky white air
From deep in her throat

O baby please don't cry
And try to keep
Your little head upon my shoulder
Now go to sleep

I told sally in whispers
I'll never bring you harm
Her breast it was small
And warm in my palm

I told her the moon
Was a magical thing
That it shone gold in winter
And silver in spring

And we walked and walked
Across the endless sands
Just me and my sally
Along the loom of the land

O baby please don't cry
And try to keep
Your little head upon my shoulder
Now go to sleep

23 de janeiro de 2012

Oscar Wilde – The Ballad of Reading Goal (IV)

O. Wilde
“Na capela função não há no dia
Em que se enforca um condenado”

A partir daqui, finda a Justiça Humana, a Balada adquire cada vez mais uma tonalidade religiosa e católica – o próprio Wilde se converterá ao catolicismo em seu leito de morte – malgrado os visíveis traços de dúvida do autor quanto à Religião. O eu poético talvez nisso se antecipe ao autor que, ainda no cárcere, manifesta sua falta de fé na carta que dirigiu a Lord Douglas:

“A religião tampouco me serve de consolo. A fé que os outros têm no invisível, tenho-a eu posta no visível e em tudo aquilo que se pode tocar. Meus deuses habitam templos construídos com as mãos, e dentro do círculo de minha atual existência, meu credo é perfeito e completo, talvez demasiado completo, porque, da mesma maneira que outros que situaram seu paraíso na terra, encontrei nele não só a beleza do paraíso, mas também o horror do inferno. Quando penso na religião, sinto o desejo de fundar uma ordem para aqueles que não podem crer; a confraria dos incrédulos poderíamos chama-la, na qual, diante de um altar em que não ardesse nenhum círio, um sacerdote de coração atormentado celebrasse a missa com a hóstia sem consagrar e o cálice sem vinho. Cada coisa para ser verdadeira deve tornar-se uma religião e o agnosticismo deve ter seus ritos da mesma maneira que os tem a fé. Semeou seus mártires e deve ter a colheita de seus santos e louvar a Deus todos os dias por não ser ter mostrado ao homem. Não quero manifestações externas, nem da fé, nem do agnosticismo. Seus símbolos hei de cria-los eu mesmo, porque somente o espiritual pode adquirir forma. Se não encontrar seu segredo dentro de mim mesmo, não poderei encontra-lo nunca; se não o tenho, terei de renunciar a ele para sempre.” [De profundis; Epistola in carcere et vinculis. In: obras Completas, p. 1391)

Seja como for, a Igreja é representada de modo ambíguo, ora pela contrição do capelão nos versos seguintes do mesmo estrofe, ora pelo abandono da cova do pecador, traição da missão que lhe foi confiada:

“Não rezará ajoelhado o padre
Naquela cova desonrada,
Nem marca-la-á com a cruz bendita
Que Cristo deu aos pecadores,
Porque o condenado era um daqueles
A quem Jesus veio salvar.”

O sentido profundo dessa quarta parte da Balada é a de que somente os olhos de Cristo alcançaram o condenado, que por ele pode alcançar a redenção que lhe foi negada pela Justiça dos homens.

Os condenados, que ao meio-dia deixam “seu inferno solitário”, ocupam agora o lugar vazio do morto:

“Nunca homens tristes vi que contemplassem
Com tanta ânsia a luz do dia.

Nunca homens triste vi que contemplassem
Com tão embevecido olhar,
Aquela pequenina tenda azul
Que os presos chamam firmamento.
E as descuidosas nuvens que passavam,
Em liberdade tão feliz”

Seguem-se, em minha opinião, os mais enigmáticos versos desse poema:

“Mas entre todos nós havia aqueles
Que caminhavam cabisbaixos
E sabiam que a morte mereciam
Se pagar fossem seus pecados
Ele matara apenas um ser vivo,
Eles tinham matado o morto.

Pois quem peca segunda vez, acorda
Uma alma morta para a dor,
Tira-a de seu sudário maculado,
Fazendo-a de novo sangrar,
E a faz sangrar grandes gotas de sangue
E a faz sangrar inutilmente.”

Está certo que Wilde fala de alguns dos presos, ele diz “nós” e que “matar o morto” significa pecar uma segunda vez. Mas não é claro, de fato, o que esse segundo pecado e como ele pode suplantar em muito o crime do enforcado. Poder-se-ia dizer que o verdadeiro crime é não se arrepender das faltas passadas e repete-las, mas a contrição que os força a caminhar de cabeça baixa revela a culpa que carregam por um crime maior. Acordar uma alma morta e fazê-la sangrar inutilmente – mas que pode significar isso? Fugirei a temeridade de dizer qual coisa significam, deixando à meditação mais longa ou a solicitude de algum melhor leitor. Avante.


***


Os condenados caminham e silêncio, uns admiram a liberdade das nuvens livres, outros deixam-se vergar pelo peso de suas dívidas. Os guardas, estes vestem seu melhor uniforme, roupas limpas como sinal de sua inocência.

“Mas descobrimos o que haviam feito,
Pela cal viva em suas botas.”

Aqui uma inversão fundamental: são agora os guardas acusados pelo olhar dos presos. Ao assassínio, justo ou injusto, do criminoso, se segue outro crime: o abandono e a negação da memória e da esperança. Cobriram-lhe de cal para ardente para extinguir, do que restou de um homem, os últimos vestígios:

“E todo o tempo a cal ardente come,
A carne e os ossos seus devora,
Como de noite os ossos quebradiços
De dia come a carne mole,
Por turno vai comendo a carne e os ossos,
Mas sem cessar o coração”

M. Foucault
O Por fim, completa-se a punição desgraçado com a infâmia de seu túmulo, sobre o qual não deixaram nada crescer por três anos. Recusam lhe a rosa, a oração e a cruz. O máximo da punição que incide sobre o corpo se dá na destruição completa do corpo do condenado, como nos tempos do suplício quando o Soberano fazia reduzir ao nada aquele que lhe feriu o “corpo político”. A punição não se encerra com a morte. É preciso ainda que a Justiça persiga o morto, reduzindo-lhe à infâmia.

“[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dia carroça, na Praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumido ao fogo, reduzido a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.” [Do processo de Robert-FrançoiesDamiens, apud Foucault, Vigiar e Punir, 2009, p. 9]

E assim aconteceu:


“... Em cumprimento da sentença, tudo foi reduzido a cinzas. O último pedaço s brasas só acabou de se consumir às dez e meia da noite. Os pedaços de carne e o tronco permaneceram cerca de quatro horas ardendo.” [In: Zevares, apud Foucault, 2009, 11]


A pergunta a ser feita é: fazemos melhor do que isso? Se por melhor entendemos algo menos ofensivo aos nossos olhos e estômagos frágeis, eis que tudo melhorou consideravelmente. Ao tempo de Wilde, em que se ainda enforcavam os culpados, as atrocidades das fogueiras e dos suplícios há muito já haviam desaparecido da velha Europa. Restou a forca e a prisão. Mas a prisão já era o centro do sistema punitivo. O poema de Wilde não é sobre a forca e legitimidade da pena capital, mas sobre a atrocidade própria da prisão, o sepulcro dos vivos. O corpo que arde sob a terra, devorado noite e dia, é o análogo perfeito dos corpos encerrados entre os muros, que a expressão popular “apodrecer na prisão” bem representa.

15 de janeiro de 2012

T. S. Eliot: Gerontion


          
         Thou hast nor youth nor age
            But as it were an after dinner sleep
            Dreaming of both.
            (William Shakespeare, Measure for Measure,)


HERE I am, an old man in a dry month,          
Being read to by a boy, waiting for rain.          
I was neither at the hot gates   
Nor fought in the warm rain     
Nor knee deep in the salt marsh, heaving a cutlass,             
Bitten by flies, fought.  
My house is a decayed house, 
And the jew squats on the window sill, the owner,      
Spawned in some estaminet of Antwerp,         
Blistered in Brussels, patched and peeled in London.          
The goat coughs at night in the field overhead; 
Rocks, moss, stonecrop, iron, merds. 
The woman keeps the kitchen, makes tea,      
Sneezes at evening, poking the peevish gutter. 

                    I an old man,              
A dull head among windy spaces.       

Signs are taken for wonders. “We would see a sign”:  
The word within a word, unable to speak a word,       
Swaddled with darkness. In the juvescence of the year           
Came Christ the tiger          

In depraved May, dogwood and chestnut, flowering judas,     
To be eaten, to be divided, to be drunk          
Among whispers; by Mr. Silvero         
With caressing hands, at Limoges        
Who walked all night in the next room;        
By Hakagawa, bowing among the Titians;       
By Madame de Tornquist, in the dark room    
Shifting the candles; Fraulein von Kulp
Who turned in the hall, one hand on the door. Vacant shuttles 
Weave the wind. I have no ghosts,              
An old man in a draughty house          
Under a windy knob.  

After such knowledge, what forgiveness? Think now   
History has many cunning passages, contrived corridors          
And issues, deceives with whispering ambitions,                  
Guides us by vanities. Think now        
She gives when our attention is distracted        
And what she gives, gives with such supple confusions
That the giving famishes the craving. Gives too late      
What’s not believed in, or if still believed,                
In memory only, reconsidered passion. Gives too soon           
Into weak hands, what’s thought can be dispensed with          
Till the refusal propagates a fear. Think           
Neither fear nor courage saves us. Unnatural vices      
Are fathered by our heroism. Virtues           
Are forced upon us by our impudent crimes.   
These tears are shaken from the wrath-bearing tree.    

The tiger springs in the new year. Us he devours. Think at last 
We have not reached conclusion, when I        
Stiffen in a rented house. Think at last          
I have not made this show purposelessly         
And it is not by any concitation
Of the backward devils           
I would meet you upon this honestly.   
I that was near your heart was removed therefrom              
To lose beauty in terror, terror in inquisition.    
I have lost my passion: why should I need to keep it    
Since what is kept must be adulterated?          
I have lost my sight, smell, hearing, taste and touch:     
How should I use it for your closer contact?            

These with a thousand small deliberations        
Protract the profit of their chilled delirium,       
Excite the membrane, when the sense has cooled,       
With pungent sauces, multiply variety  
In a wilderness of mirrors. What will the spider do,             
Suspend its operations, will the weevil 
Delay? De Bailhache, Fresca, Mrs. Cammel, whirled  
Beyond the circuit of the shuddering Bear       
In fractured atoms. Gull against the wind, in the windy straits   
Of Belle Isle, or running on the Horn,          
White feathers in the snow, the Gulf claims,     
And an old man driven by the Trades  
To a a sleepy corner.  

                    Tenants of the house,      
Thoughts of a dry brain in a dry season.                  


*** 
"Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.")

Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
                                                 E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.
Tomaram-se os signos por prodígios: "Queremos um signo!"
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
    faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
    Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.
Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
    estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
    demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.
O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?
Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
                                                         Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.

(tradução:  Ivan Junqueira)

12 de janeiro de 2012

Dead Can Dance - The carnival is over

 
 
Outside
The storm clouds gathering,
Moved silently along the dusty boulevard.
Where flowers turning crane their fragile necks
So they can in turn
Reach up and kiss the sky.

They are driven by a strange desire
Unseen by the human eye
Someone is calling.

I remember when you held my hand
In the park we would play when the circus came to town.
Look! Over here.

Outside
The circus gathering
Moved silently along the rainswept boulevard.
The procession moved on the shouting is over
The fabulous freaks are leaving town.

They are driven by a strange desire
Unseen by the human eye.
The carinval is over.

We sat and watched
As the moon rose again
For the very first time.

9 de janeiro de 2012

Αυάγκη


Régnier. Allegory of vanity - Pandora. 1626
I

Não há livro eterno,
Eternamente escrito
Por uma mão eterna:

Não há romance do mundo
Que a mão da fatalidade
Conceba ou que sussurre
A voz do inevitável.

Mas, fora fatalidade a chuva?
O Dilúvio e a tempestade?
E eu mesmo – e o medo arredio?
O temor de nenhuma esperança?

Não fora fatalidade o desencontro
E o encontro furtivo do desencanto?

II

E o anjo veio perturbar-me o sono.
Armado de fogo imortal e cinzas
Sob os pés. Veio acender meus olhos;
Meus olhos desde muito quase apagados.

Deixou a árvore da vida no jardim do Éden;
Deixou a eternidade monótona da luz.
Veio estender-me o desvario e a fome,
- A fome que é de todo homem que vive –
Sorrindo, desaparecer noite adentro.

Será o anjo terrível da morte?
Amanhã já não serei mais o mesmo.

Pois esperei que a vida deitasse em meu colo.
E esperei, esperei... esperei.
Até o dia claro e o desespero.

3 de janeiro de 2012

Heidegger


 
Tudo volta sobre si,
O círculo é a lei
Eterna e imutável.

E a vontade,
Cor de figura
Já traçada.

E a verdade,
O já dito e feito;
Pedra sobre pedra,
Sísifo sobre Sísifo.

Tudo perece;
O homem, morre.
Perece o ramo e a flor;
Perece o rio e a rocha,

E tudo volta sobre si:
O círculo é imutável.

Mas o homem não perece,
Só falece porque morre.