/> Πρωτεύς: março 2011

28 de março de 2011

Naufrágio

Litogravura de  Manet para The Raven de Poe (1875)

O pássaro negro tornou aninhar-se no cadafalso.
Vigia, manhãs por vir, da justiça inalcançável,
O derradeiro lastro sobre a árvore do enforcado.

É também quando as nuvens dobram
E o cancioneiro do repouso, sobre a pedra, entoa
A balada dos esquecidos anos,
Ou quando o teto de metal da capela
Atravessa as tardes nubladas de verão
Que a preguiçosa maré encontra tua ilha, Circe.

Enquanto o céu atravessa a espiral do sonho
Alguma carne fria apodrece no ventre da terra.
O tempo também chega... Ambos somos
Nele, algum escolho que se deita lento.
Não é o tempo que corre e arrasta,
Mas o que se derrama por inteiro
Contra nós, sobre nós, até que o sejamos.

22 de março de 2011

Um capote

Ilia Repin. Vsevolod Mikhailovich Garshin. 1884
Eis um homem... um qualquer,
Nenhum hussardo, granadeiro ou príncipe.
O caso de um homem. Irônico caso e poético:
Todo caso é de fina ironia
Quando não o escreve um monge.

Haja um velho burocrata eslavo.
Ele, caligrafia do silício, 
Ainda costura a letra e copia..
Ele: "bom dia!",
Ele: "Excelência!", 
Ele: "boa noite!"
— Voz enferrujada de uma barba rouca,
Dentes calvos, agasalhados contudo
De fumo e descuido, cotidianos.

Ainda mais um dia e o desinfeliz tropeça
Em formulários da ventura vulgar e só,
Pois que a vida lhe passou em branco:
Sem mancha, nem letra,
Entremeada à fibra do capote,
O capote que quisera abandonar
E não pôde. Enfim ei-lo no espelho.
Ei-lo no espelho: um homem velho...
Eis o mesmo capote sobre um homem morto.

17 de março de 2011

طرابلس الغرب (Tripoli)

O pior cego é o cego político.
Muito pior que qualquer político cego
(Todos os são).
Ainda pior que o analfabeto.
Este ao menos vê
E não se perde em sutis distinções
Acostumadas, pueris do tempo dos avós.

O pior cego é o político,
Não o político cego, reitero,
Mas o que não vê que é escravo,
Que é escravo de escravos de sombras,
De palavras gastas e bandeiras empoeiradas.

É o que grita: “Liberté”;
É o que grita: “Égualité”;
É o que grita: “Fraternité”.
É o que grita!

O pior cego é o político:
Não sabe ele onde deve correr o sangue,
Nem pelo que corre ou se derrama.

12 de março de 2011

Nacht


Rembrandt. Filósofo a Ler (1606-69)

Habe nun, ach! Philosophie,
Juristerei und Medizin,
Und leider auch Theologie!
Durchaus studiert, mit heißem Bemühn.
Da steh ich nun, ich armer Tor!
Und bin so klug als wie zuvor;
Heiße Magister, heiße Doktor gar,
Und ziehe schon an die zehen Jahr
Herauf, herab und quer und krumm
Meine Schüler an der Nase herum -
Und sehe, daß wir nichts wissen können!
Das will mir schier das Herz verbrennen.
(Goethe, Faust. Ato I, cena 1)

                                                  ***

Tal como o Dr. Fausto, cada sábio, poeta, filósofo, cada um daqueles aos quais o Destino incumbiu de carregar o espírito humano através das eras, desde os desertos de ignorância e mediocridade até os jardins do Nobre Castelo, cada um de nós deve sofrer por essa arrogância a que não demos causa, indigência da qual o tolo é poupado. No fim a sabedoria cobra seu tributo, porque sabedoria é também o saber o quanto ela mesma nos custou frente ao quão pouco vale. Ora, não é a verdade uma deusa zombeteira?!