/> Πρωτεύς: abril 2011

26 de abril de 2011

Nick Cave and The Bad Seeds – The Good Son ( I )

Formado em 1983, por egressos do The Birthday Party (o próprio Nick Cave e Mick Harvey), agregou ainda Blixa Bargeld do Einstürzend Neubauten e Barry Adamson do Magazine. Inicialmente deveria chamar-se Nick Cave and the Cavemen, mas os bons deuses intervieram e a banda acabou por adotar o nome “Bad Seeds” em referência ao último trabalho do Birthday Party: Bad Seed.

Uma banda cuja discografia é obrigatória – assim eu a definiria. Uma banda fluida sem dúvida, quer na composição de seus membros, quer na densidade e no estilo dos seus álbuns, mas cuja força estética é indefinidamente renovada a cada vez que se reconsidera um álbum ou uma música em particular. Confesso que ainda não pude apreciar o Lazarus e desde que ouvi pela primeira vez não consigo gostar daquele “lá-lá-lá...” de Henry Lee, mas o que é fantástico nos Bad Seeds é justamente o fato de que um detalhe que ontem me escapava de uma canção e hoje me aparece é capaz de transformar toda a experiência com a música.

Sexto álbum de Nick Cave junto aos Bad Seeds, The Good Son não agradou de imediato e até hoje não está entre os trabalhos mais considerados da banda. De certo, The Weeping Song não deixa de figurar entre as mais notórias e apreciadas canções do grupo, mas o álbum como um todo está longe da posição alcançada por The Boatman Call ou Murder Ballads. Por outro lado, não chega nivelar-se com Dig, Lazarus, Dig que, haverão de concordar até os mais fanáticos, ficou muito a dever em relação ao conjunto da obra.

A falar em The Weeping Song, foi das minhas primeiras experiências com a banda. Isso há uns tantos três anos quando minha querida amiga Samantha me apresentou a esta e outras figuras indispensáveis do rock. Está certo que a voz, a música e a figura sombria de Cave já me haviam chamado a atenção quando, anos antes, assisti pela primeira vez Der Himmel über Berlin, mas jamais teria me tornado um assíduo ouvinte (e hoje não imagino como não poderia sê-lo) sem aquela formal e, por que não dizer, intransigente apresentação. Por isso: thank you, Sam! Também não posso deixar de agradecer ao meu amigo Leonardo, marido da Samantha, também conhecido como “enciclopédia do rock alternativo”: thank you! Sem vocês eu jamais teria conhecido a maior parte das boas coisas que hoje conheço do rock ‘n’ roll e aprendido esta valiosa lição: procure a boa música, não espere que ela vá até você!



Ora, estou a me perder nessa digressão e já quase me esqueço por que a comecei. Sim, eu falava da minha primeira experiência em ouvir Nick Cave e como The Weeping Song foi determinante para minha apreciação do trabalho da banda. O fato é que essa canção foi duplamente marcante. Primeiro porque obviamente se trata de uma belíssima canção e, segundo, porque o videoclipe da mesma está entre os melhores que já vi: belo jogo de luz e sombra a conformare-se às vozes e figuras sombrias. Certa atmosfera neoexpressionista nunca deixou de se associar de imediato em minha mente quando penso em Nick Cave and the Bad Seeds certamente ligada à representação de mesma natureza de um “dark side of 80s” como idealidade estética e não realidade histórica. E os deuses sabem o quanto nesses tempos de comédia e irreverência necessitamos de certa gravidade, sob o risco de nos alienarmos de um aspecto não pouco relevante da condição humana: “— Os homens são pesados”, como disse Emit Flesti, meu personagem favorito de In weiter Ferne, so nah!

Retornemos ao álbum para algumas considerações: gravado em 1989 e lançado em 1990, The Good Son aparece nessa posição limiar entre os sombrios anos 80 e os insípidos anos 90. Em seus 45:12 minutos, distribuídos por nove faixas, este álbum deve decididamente ser tido como um álbum conceitual: a evocação de uma parábola bíblica é clara e as músicas se sucedem  de modo a ser possível formar uma concepção global do projeto a despeito do conteúdo poético de cada canção. Ademais, para alguém que procura um sentido em cada expressão artística, The Good Son suscita imediatamente a desconfiança de que através da experiência estética que produz também uma experiência existencial está a ser expressa.

Não se pode dizer que o tema bíblico do álbum seja algo de novo em Nick Cave. Na verdade as referências bíblicas são uma das marcas registradas da banda. Pessoalmente não as vejo como sinal de uma religiosidade dúbia de seu líder, mas como aproveitamento artístico de certos arquétipos míticos que em nossa cultura remetem à mitologia hebraica. A morte do primogênito, por exemplo, referida no álbum The Firstborn Is Dead, é um arquétipo hebreu bem conhecido, remetendo a importantes passagens míticas da religião judaica: o holocausto de Isaac e a última praga do Egito. Nick Cave faz uso de temas bíblicos como Rembrandt, Goya ou Delacroix: como matéria de arte. Sua importância não está no significado original que tais estórias possuem na religião judaica ou cristã, mas no sentido que podem adquirir quanto retomadas sob a forma de obra de arte.

Do mesmo modo haveremos de considerar a releitura da parábola do filho pródigo em The Good Son. O importante é considerar os aspectos da condição humana envolvidos e como são apresentados na forma de uma experiência estética. Assim veremos que tal sentido se desdobra a partir dos três personagens arquetípicos que ela envolve e dos afetos que os correlacionam: o pai, o filho rebelde e o filho revoltado, o “bom filho”. Ora, o sentido propriamente cristão da coisa está na relação entre o pai e o filho rebelde; seu desdobramento na parábola indica a dinâmica própria na qual o cristianismo procura mover-se, dinâmica do pecado e da redenção. Contudo, se a rebeldia do jovem filho já foi muito explorada moral e esteticamente, a revolta do primogênito permanece quase esquecida quando se menciona essa estória. É que ela ameaça perturbar a calma estrutura da primeira relação, evocando contra ela os imperativos de justiça e equidade (suum cuique tribuere).

Temos, portanto, essas duas grandes linhas de subversão da estória: a rebeldia que sempre perdoável e a revolta sempre repreensível. Como conciliá-las, como extrair delas algum sentido humano? Vejamos como Nick Cave lida com isso nos próximas postagens.

18 de abril de 2011

Stefan George - Das Wort

Goya. El manicomio.1813
Wunder von ferne oder traum
Bracht ich an meines landes saum

Und harrte bis die graue norn
Den namen fand in ihrem born –

Drauf konnt ichs greifen dicht und stark
Nun blüht und glänzt es durch die mark ...

Einst langt ich an nach guter fahrt
Mit einem kleinod reich und zart

Sie suchte lang und gab mir kund: ›
So schläft hier nichts auf tiefem grund‹

Worauf es meiner hand entrann
Und nie mein land den schatz gewann ...

So lernt ich traurig den verzicht:
Kein ding sei wo das wort gebricht.

16 de abril de 2011

Solidão


Gustave Courbet.La falaise d'Etretat après l'orage.1870

Um tempo de urgência
Arrastou minha voz até ali
Onde há muitas margaridas.
Quem as terá plantado?
                                     Não...
Ninguém as plantou.

O pássaro não canta
Por dizer seu júbilo.
O castanheiro
É robusto e silencioso.
Aqui não há vozes
Através do vento,
Tudo é renúncia
E quietude:
Sou o jardineiro 
Dessas ruínas.

8 de abril de 2011

Raduan Nassar - Lavoura Arcaica ( I )

Arcaico (arc-; arché; ἀρχή). Tanto o que está mais recuado quanto o que está mais profundamente enraizado. Arcaico diz em nossa língua e de acordo com sua radicação grega, o que é primordial, ao mesmo tempo o mais antigo e o mais elementar: raiz e semente. Princípio, no duplo sentido que se conservou em Português. Arcaico é o que sustenta o tronco, mas também donde o tronco brota, atravessa a terra e chega à luz. Diz de uma antiguidade que não é somente um tempo remoto, prolongamento exaustivo do agora, senão outra duração, outra era em tributo a qual os homens devem queimar holocaustos e erguer totens. Mas, dizendo o que é mais antigo, diz também o que está já há muito ultrapassado – todos os tipos de arcaísmos -, aquilo sobre o qual repousa toda “tradição” em sua decrepitude. Daí que se por um lado o “arcaico” evoque o princípio intemporal da fundação (a semente para o tronco), também evoca o ultrapassamento inevitável que o tempo impõe a todas as coisas (tronco apodrecido e carcomido de insetos).

“Lavoura Arcaica” — um título ambíguo para a ambígua obra de Nassar[1]. Estória que retoma arque-tipos fundamentais de nossa cultura, a lógica equívoca da tragédia e libera o caos (chaos χάος,) contido e sempre prestes a eclodir por sobre toda ordem (social, econômica, sexual, política, cognitiva). “No princípio era o caos” ou como diz Hesíodo: τοι μὲν πρώτιστα Χάος γένετ᾽[2]”. O caos é, portanto, o mais primordial, o primeiro entre os Primeiros. Toda outra ordem (De Gaia, de Urano, de Cronos, de Zeus) é sempre um sobrestamento do caos, seu afastamento temporário e, contudo, sua manutenção recôndita: era de confusão dos Gigantes, era da vaidade dos olímpicos.  

Entre a ordem e o caos. É aqui que devemos situar o movimento de Lavoura Arcaica; movimento da estória, mas também da escrita. Motivo trágico por excelência, a reviravolta, a curva forçada sobre a linha de fuga (do bode expiatório) implicará a degradação do edifício das rígidas formas. Não mais o equilíbrio precário entre Apolo e
Dionísio, mas a irrupção do caos, por sobre a embriagues, contra o que ela preservava: a ordem do Pai, ordem do tempo, ordem do mundo.

Muitos foram os trabalhos a relacionar o romance de Nassar à tragédia. Tal relação, contudo, ora recorre ao dionisismo de Nietzsche ora apela ao edipianismo freudiano. De um lado, o tema da embriagues num contexto estético e metafísico; do outro, o erotismo e o tabu do incesto a partir das categorias psicanalíticas. Nem um nem outro nos parecem satisfatórios e, contudo, há ainda que se recorrer à tragédia para pensar esse romance num outro sentido: estrutural, lógico, mas também existencial.

Outra é a correlação analógica entre a fuga e retorno de André e a parábola do filho pródigo (o bom filho, se assim se pode dizer como Nick Cave[3]). Correlação muito óbvia em certo sentido, mas muito difícil decifrar em outro. Pois, afora a ordem de semelhanças que tornam Lavoura Arcaica uma quase paródia da parábola bíblica, há toda uma multiplicidade de diferenças que a desviam do conteúdo cristológico. Assim, é justamente no entrecruzamento, ou melhor, na sobreposição do diagrama da parábola e do diagrama da tragédia (retorno X purgação) que encontraremos a especificidade da estória de Nassar: retorno que corrompe a necessária via da purgação; purgação que elide a morada, destino do retorno.

Rembrandt. O retorno do filho pródigo.1669
Reencontraremos em um André-Édipo, mas mais primordialmente ainda em um André-bode, o motivo trágico por excelência da Partilha (moira) entre duas ordens e o que nesse conflito ameaça todas as ordens. Conflito entre a liberdade e a tradição, dizem alguns e, se bem que não caiba desdizê-los, conflito mais arraigado entre a ordem dos homens e as ordens exteriores que o circunscrevem (dos deuses, das bestas) que nos afasta da visão tranquilizadora do retorno à morada.  

De modo que são essas nossas coordenadas, tão boas quanto quaisquer outras. A via de leitura ou, como deve ser a crítica, de releitura, está aberta sobre os diagramas da parábola e da tragédia de sorte que evitaremos dizer que o romance de Nassar se inspira em uma ou em outra, que aproveita-se dessa ou daquela tradição, que remete a esse o àquele mito fundador. Lavoura Arcaica é, apesar de tudo, um romance moderno e se fazemos questão de compreendê-lo a partir de certos princípios mitológicos ou filosóficos, não devemos contudo descuidar de sua inserção no horizonte da literatura moderna; na devemos, sobretudo, confundir o que pertence à literatura, como modernamente a compreendemos, do que à ela é exterior e estranho.


[1] Figura curiosa essa. Tendo publicado Lavoura Arcaica (1975) e Um copo de cólera (1978), construído uma prosa singular, tendo sido reconhecido e aclamado entre nós como uma revelação extraordinária, ainda assim Nassar se retira da literatura para, como disse ele mesmo certa vez, “dedicar-se à criação” – à criação de galinhas e porcos, seja bem entendido. Que a literatura não vise mais o poder e a glória é algo que já aprendemos de Blanchot, mas que possa se exaurir inteiramente em tão pouco tempo não é de fácil compreensão. Está certo que o espanto se deve muito mais ao nosso apego à figura romântica do gênio do que a uma exigência da própria literatura. Isso, porém, não torna menos incômoda a atitude de um Nassar ou de um Rimbaud.
[2] Hesíodo. Theogonia. 116.
[3] Em 1990 Nick Cave and the bad seeds lançam o album The good son, releitura musical da parábola bíblica. Será interessante, se as condições no-lo permitirem explorar essa releitura de modo a compreender como tanto nela quanto na estória de Nassar a parábola perde seu caráter moralizante para converter-se em testemunho da angústia e desespero que cerca a existência humana.

1 de abril de 2011

(Des)enlaços VII

Cezanne. Le ruisseau affiche
Outra vez o outono fere:
O breve outono dos trópicos...

E a proximidade do corpo fere:
Teus lábios vazios de desejo.

Rastro!
Vestígio!
Memória!

Esbarro na voz
Que em silêncio pesa
A sorte da palavra não-dita
Na epifania do sublime,
Ou na certeza da miséria.

Recolho o que o passo recobre,
Asseio o busto dos mortos,
Traduzo fantasmas em rimas...
Pobres, pois a pena tenho ainda
Por diante.

***
(Des)enlaços:

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