Envelhecer é morrer ao claro;
Morrer, acostumar-se a morrer.
Quando nascemos, já o mundo pronto e acabado, já cidades, ruas, praças e humanos — tudo, de repente: o monólito que nos envolve e de que somos parte, porém somente como fresta ou imperfeição casual. Ano após ano, escavando e esculpindo: finalmente uma existência. Demoramos, porém, a perceber que o fluxo ininterrupto que nos fendeu rocha adentro e, com o qual, retendo em poça, desviando ou deixando correr, arquitetamos nossa caverna é o mesmo que a liquefaz e transmuta para novas fisionomias.
(...)
Vinha descendo a ladeira a meio-passo do meio-fio e ela, sentido oposto, percorrendo os muros e portões. Nos cruzamos frente ao portão aberto à sua esquerda. Voltei os olhos e, já tendo-a visto de ao longe, vi seu corpo contra o fundo do salão de beleza Versátil. Ela não: nem ao templo de vaidade nem aos meus olhos vieram se encontrar os seus, mas permaneceram rijos, declinados sobre a ladeira que lhe custava.
(...)
Fim de avenida cheguei a tempo ainda em folga, longe, porém, do centro-urbano. Perdido entre pensamentos corriqueiros e ninharias solenes, veio-me um verso. “bom verso!”. Paráfrase de Rilke, a dizer bem a verdade, mas, ainda assim, um bom verso. Abri a bolsa que entreaberta permaneceu de pressas, descobrindo qualquer papel e a caneta do bolso lateral.
— Se você deixa a bolsa assim... assim aberta, vem moleque e puxa e... levam tudo mesmo.— E a velhinha assim dizendo parou sorrindo, semigesticulando.
— É... nem percebi. Fico distraído e... muito obrigado pra senhora.
Segui em frente, sentido reverso, pela avenida.
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