Hemingway e Gellhorn é
um bom filme para quem ama o cinema, romances reais e complexos. Dirigido por Phillip Kauffman, com a fotografia de Rogier Stoffers, a obra reconstrói a conturbada
aventura amorosa do escritor Ernest Hemingway (Clive Owen) e da correspondente
de guerra Martha Gellhorn (Nicole Kidman).
Devo começar pelo final
esse breve comentário? Todos os que conhecem Hemingway já conhecem seu fim e a
ignorância sobre Gellhorn, de quem quase todos sabem somente que foi a terceira
esposa do escritor americano, já antecipa seu fim trágico. Não é surpresa. Que
não se espere finais felizes em histórias que foram roubadas à vida. O que é de
fato interessante neste filme não é seu final trágico, mas a tragédia que o
percorre do início ao fim: a impossibilidade da felicidade.
Certo. Acreditamos no
amor. Acreditamos que o amor nos trará a felicidade; temos direito de busca-lo,
mas é quando essa busca se converte de cada vez numa peripécia que converte o
prazer em dor, a proximidade em distância, o paraíso tropical prometido no
inferno sujo da vulgaridade, é que nos damos conta de que tais belas
possibilidades foram ali, justamente ao redor da vida das pessoas de
inteligência e talento, cultivadas por algum demônio traiçoeiro. Para tais
pessoas, como Hemingway e Gellhorn, o amor é a armadilha que os reconduz a seus
limites, quer seja a glória insuportável ou a mediocridade desejada.
Hemingway, que sabemos,
era assombrado pelo suicídio do pai deixará escapar a possibilidade da felicidade
pelo orgulho, presunção e brutalidade que o tornarão a figura máxima de um
intelecto viril num mundo de intelectuais sensíveis; incapaz de mudar, de
abrir-se, de arriscar-se nas mãos de uma mulher que, contudo o arrebatava;
reduzido a si mesmo e, por fim, ao silêncio da glória, será a última vítima do
caçador que era ele próprio. O suicídio é de fato uma herança de família.
Gellhorn, assim nos
conta o filme e nada sei de fato de sua vida que me pudesse fazer julgar que
seja diferente, contará sua vida – é o mote da película – desde uma melancólica
e solitária velhice prestes a mergulhar no esquecimento. Tenho verdadeiro
horror a filmes narrados, mas devo confessar que este tem um diferencial: o
discurso que acompanha a história é justamente aquele, dizendo a história, a
recusa. Gellhorn não suporta a ideia de ser “uma nota de rodapé”, como diz ela
própria, na vida de outra pessoa. Mas o que é a sua entrevista senão a
confirmação desse fato? “Hemingway e Gellhorn” não é apenas o título de uma
história de amor, mas o nome da aflição que atravessa a voz da autobiografia de
uma sombra.
O que é incrível – ao menos
foi meu sentimento pessoal – é que, ao fim, tão envolvidos estamos pela aflição
dessa voz de sombra, condenada ao quase esquecimento, não fosse justamente pelo
que a aflige, desperta uma compaixão maior que o destino do próprio Hemingway.
Tamanha é essa infelicidade de estar a sombra do ex-marido que pouco acrescento à infelicidade de Martha o fato de que ela tomou o mesmo caminho de Hemingway já quando, depois de ter presenciado quase todos os grandes conflitos do século XX, cega e atormentada pelo câncer, desistiu da dor aos 89 anos.
Para um filme feito para a TV, creio que a produção tem mais virtudes que vícios. Tem algo de bruto, seco, descarnado e aflitivo como a prosa e a vida de Hamingway.
Post Scriptum: A participação de Rodrigo Santoro não deixa dúvida de que esse que já foi uma das promessas do cinema brasileiro se converteu em pouco mais que um figurante costumeiro nos EUA. Pouco convincente, sua atuação é quase tão desnecessária ao enredo quanto o personagem que encarna.